Traduções da Bíblia

Um dos fenômenos mais surpreendentes relacionados à Bíblia é a enorme influência que ela exerceu por meio de traduções em muitas línguas diferentes. A primeira dessas traduções foi a Septuaginta, feita do hebraico para o grego, tarefa sem paralelo no mundo antigo.

As três grandes primeiras traduções, a Septuaginta, a Vulgata latina e a Peshitta ( ou Bíblia Siríaca), tornaram-se padrão nas três principais áreas da cristandade medieval, respectivamente, a Ortodoxa Grega, a Católica Romana e a Síria.

Na Europa ocidental, a Vulgata foi a versão dominante da Bíblia durante toda a Idade Média. Desde um período anterior, porém, houve numerosas traduções das Escrituras em linguagem vernacular. Às vezes, assumiam a forma de observações ao texto latino, como os famosos evangelhos produzidos no mosteiro de Lindisfarne, na costa nordeste da Inglaterra. Também circularam diversas versões de partes da Bíblia em vernáculo. Entretanto, eram em geral paráfrases livres, e não traduções propriamente ditas, e só de alguns livros bíblicos.

Na Europa oriental, as primeiras traduções da Bíblia para as línguas eslavas foram feitas pelos missionários gregos Cirilo e Metódio na década de 860. O idioma de suas traduções, conhecido como antigo eslavônio eclesiástico, tornou-se a língua litúrgica da Igreja Ortodoxa nas terras de língua eslava. Uma edição da Bíblia em eslavônio eclesiástico publicada em São Petersburgo, na Rússia, em 1751 (a Bíblia Elisabete) é a Bíblia padrão da igreja russa e de outras igrejas ortodoxas eslavas.

No século XVI, na Europa ocidental, a Reforma foi grande motivação para as muitas traduções vernaculares. A mais importante delas talvez seja a de Martinho Lutero para o alemão, feita dos originais grego e hebraico ( a partir de 1522). A influência da obra de Lutero parece ter sido ainda mais profunda que a da Bíblia inglesa de 1611 (versão autorizada ou versão do Rei Jaime), com a qual tem sido comparada. Foi a primeira obra literária em alemão moderno e em prosa, criou o vocabulário do alemão literário. Também serviu de modelo para traduções em outras línguas europeias, inclusive o inglês.

Nenhuma dessas versões (neste contexto, "versão" significa "tradução", como na versão Autorizada) alcançou autoridade igual à das Bíblias padrão inglesa e alemã, nem teve grande influência sobre as culturas em que apareceu.

As versões protestantes das Escrituras tomaram a frente, mas os católicos logo responderam à demanda pela Bíblia em vernáculo. As Bíblias católicas alemãs apareceram ainda durante a vida de Martinho Lutero, e os exilados católicos ingleses na Europa publicaram um Novo Testamento inglês em 1582 e um Velho Testamento em 1609-10. As traduções católicas francesas competiram em popularidade com as protestantes: a Bíblia católica de Le Maítre de Sacy foi muito usado também por protestantes e, em alguns aspectos, foi o equivalente mais próximo das Bíblias de Lutero e do rei Jaime.

A "versão do rei Jaime" (VRJ), ou "versão autorizada", publicada em 1611 por encomenda do rei Jaime, é o ápice de um histórico de versões inglesas iniciado três séculos antes. A primeira Bíblia completa em inglês, de 1382, foi traduzida da Vulgata latina por John Wycliffe, John Purvey e Nicholas of Hereford. No reinado de Henrique VIII (1509-47), William Tyndale publicou várias edições completas, em especial a Grande Bíblia. A rainha católica Maria I (reinou em 1553-58), filha de Henrique VIII, baniu as versões em inglês, mas protestantes ingleses exilados em Genebra lançaram uma tradução. A Bíblia de Genebra (1560) fez muito sucesso, mas ofendeu os bispos de Elizabeth I (reinou em 1558-1603), que publicaram em 1558 uma edição calcada na Grande Bíblia. Essa foi a base da VRI, que se tornou a mais popular e influente na língua inglesa.

Estima-se que a Bíblia tenha sido publicada, completa ou em partes, em mais de 2 mil línguas, o que corresponde a 80 por cento da população do mundo. Muitas traduções resultaram do trabalho missionário fora da Europa, que, nos tempos modernos, começou com as missões católicas do século XVII. Os missionários protestantes não foram muito ativos na época do expansionismo imperial europeu, mas mais tarde, nos séculos XVIII e XIX, houve o trabalho das sociedades bíblicas. A primeira tradução da Bíblia numa língua indígena do Novo Mundo foi feita em 1663 por um missionário protestante, John Eliot, na hoje extinta língua dos nativos americanos de Massachusetts.

Mais recentemente, as traduções da Bíblia tem sido mais frequentes na Ásia e na África. Na Ásia, os tradutores quase sempre lidam com línguas que já possuem uma literatura considerável, como japonês, birmanês, chinês, hindi. Mas na África e em partes da América do Sul eles podem enfrentar a tarefa de criar uma língua escrita a partir de uma tradição puramente oral. Os tradutores também tem de encontrar termos capazes de transmitir imagens e conceitos bíblicos a povos para os quais esses aspectos podem ser enganosos, desconhecidos ou até ininteligíveis. O trabalho de tradução da Bíblia continua a ser uma tarefa difícil.

 

J.R. Porter "A Bíblia"